Celebrações paralelas como o Ofício das Trevas ajudam fiéis a se aprofundarem melhor no mistério da Semana Santa
Uma celebração repleta de detalhes é o Ofício das Trevas, que marca a lembrança da agonia e angústia que Jesus passou pela traição de Judas até a sua crucificação. Na Paróquia São Pedro em Manaíra, na noite desta quarta-feira (13), um cortejo deu início ao rito ao som de uma matraca que emitiu barulhos destoantes, as luzes do templo apagadas e apenas 15 velas em um candelabro iluminaram o lugar. No decorrer, as velas foram se apagando e apenas uma ficou acesa, representando Cristo até que ela também foi apagada no final da cerimônia.
No candelabro, uma
delas é de cor branca e todas as outras são feitas de cera amarela e comum,
como sinal de luto e pesar. As velas que vão se apagando representam os
discípulos, que pouco a pouco abandonaram Nosso Senhor Jesus Cristo durante a
Paixão.
No final de cada um dos Salmos que vão sendo
cantados, o cerimoniário apaga uma a uma as velas regressivamente, até restar apenas
uma, a branca, que também será apagada. Esta vela branca significa que Nosso
Senhor por breve tempo se retira do meio dos homens e baixa ao túmulo, para
reaparecer pouco depois, fulgurante de luz e de glória.
No fim, apagam-se todas as velas para simbolizar o
luto da Igreja e a escuridão que baixou sobre a terra quando Nosso Senhor
morreu.
O ruído volta ao cenário, produzido por um
instrumento denominado “matraca” no fim do Ofício de Trevas e tem o significado
do terremoto e a perturbação dos inimigos recordando a desordem que sucedeu na
natureza, com a morte de Nosso Senhor. Por isso é comum que os participantes
batam nos bancos da igreja, fazendo um barulho ensurdecedor.
A razão histórica do rito de apagar pouco a pouco
as velas do tenebrário, provavelmente é uma lembrança. Semelhantemente se
apagava uma vela depois de cada salmo, para constar quantos foram recitados.
Este rito remonta, portanto, ao tempo em que ainda não havia ofícios
metodicamente organizados ou quando havia, conforme a estação do ano, mudança
no número de salmos.
O Ofício das Trevas é uma tradição que remonta à Idade
Média mas vem sendo retomado pelas paróquias. Na São Pedro Pescador, foi
introduzido nos últimos quatro anos, pelo então pároco Padre Luiz Júnior e o
Padre Carlinhos.
Segundo Padre Luiz, esse tempo de Quaresma, e na Semana
Santa principalmente, é um tempo repleto de uma riqueza litúrgica, onde historicamente
foram sendo introduzidos na liturgia, muitos elementos celebrativos que ajudam
a contemplar esses mistérios maiores da nossa fé. “Paralelo a essa liturgia
oficial da Igreja com os textos bíblicos, as missas e celebrações, também foram
se criando outras celebrações, outros ritos, como as Procissões de Encontro, Fogaréu,
Senhor Morto, em cada lugar, região, país, foram se adicionando muitos
elementos”, lembrou.
O pároco da São
Pedro Pescador e vigário geral da Arquidiocese da Paraíba ainda informou que
essa riqueza da paraliturgia ou liturgia paralela é uma herança dos
brasileiros, deixada pelos povos da Península Ibérica e a colonização pelos
espanhóis e portugueses.
Ele informou que a
liturgia paralela ou paraliturgia tem o objetivo de gerar nos cristãos um
aprofundamento melhor para que não fique “solto” nesse tempo. “Os religiosos e padres tem o Ofício das Leituras,
as orações do dia, as vésperas, as completas, as laudes, e para a devoção popular,
foram se condensando muitas dessas liturgias e se criando outros momentos de
celebração, como o Ofício dos Perfumes, por exemplo, que reforça o Evangelho da
segunda-feira quando Jesus teve os seus pés ungidos por um perfume muito caro
que exalou toda a fragrância na casa que visitou”.
O religioso destacou
que a liturgia paralela não é obrigatória pela Igreja Católica, como o rito
litúrgico da missa.
No Ofício dos
Perfumes, os participantes da celebração banham as mãos com um perfume e ao
ungir o altar, o aroma vai sendo exalado no templo. “Durante a Semana Santa, a
liturgia passa pelos sentidos também, faz com que a gente se aprofunde mais no
mistério que está sendo celebrado naquele dia”, informou Padre Luiz.
O pároco da São Pedro Pescador lembrou que na quarta-feira a liturgia mostra a agonia que Jesus sente, a dor de ser traído por um amigo, “aquele que vai me trair é aquele que põe comigo a mão no prato” para dizer que será traído por um amigo, um apóstolo que teve a oportunidade de fazer o caminho com o Senhor, de transformar a sua vida, no entanto, optou por fazer um caminho inverso, um caminho de distanciamento, muito embora, tivesse tão próximo do Senhor fisicamente, mas um coração tão distante que fez a venda de Jesus por trinta moedas, um preço de um escravo.
“A devoção
popular, juntamente com os salmos e as orações do dia, criaram esse momento, a
noite das trevas, a noite da escuridão, da escuridão da traição, da angústia, e
aí celebramos o Oficio das Trevas, esse momento tão bonito, onde a gente vai
cantando os salmos, escutando as leituras, contemplando o mistério de Deus que
nos ama, mas vai percebendo o quanto o nosso coração está mergulhado nessa
escuridão, onde as velas vão se apagando e a gente tá mergulhado nesta
escuridão que nos aponta para a ressurreição do Senhor, porque tudo já é feito tendo
em vista a ressurreição”, contou Padre Luiz.
“As vias-sacras tomam conta das ruas
pelo Brasil afora, onde cada lugar, cada povo, introduz o seu jeito de rezar. O
nosso país é muito rico nisso. Temos como exemplo Minas Gerais, Goiás e o
Nordeste que apresentam uma riqueza de detalhes celebrativos. Na sexta-feira por exemplo, a tarde não temos
missa, mas a celebração da paixão e morte do Senhor. Alguns lugares, se celebra
ao meio-dia o Ofício da Agonia, também uma devoção popular enriquecida com a
oração da Igreja que nos oferece ao meio-dia, momento em que Jesus é
crucifixado, a oportunidade de rezarmos as suas agonias”, disse o pároco da São
Pedro Pecador.
Ainda sobre a
Sexta Feira da Paixão, Padre Luiz lembrou que uns rezam as sete dores de Nossa
Senhora, outros as sete palavras de Jesus na cruz. “A tarde, depois da
celebração da Palavra, muitos lugares realizam a procissão do Senhor Morto, mas
claro, sabendo que Jesus ressuscitou. Têm lugares que a imagem fica para
visitação”.
Para Padre Luiz, a
liturgia oferece a possibilidade de mergulhar de fato no mistério que está
sendo celebrado, e não é somente a memória da recordação do passado, mas a
atualização de um fato que se faz em cada tríduo, em cada celebração,
principalmente na Vigília da Páscoa, que é o grande grito de alegria, a grande
vitória de Cristo sobre a morte.
Para o religioso,
os elementos litúrgicos e paralitúrgicos, assim como devoção popular, permeiam
todas essas celebrações, enriquecendo e ajudando os cristãos a celebrarem mais
e melhor com a finalidade de mergulhar no mistério da Semana Santa.
“É uma forma de
não passarmos por esse tempo, para que ele não passe por nós, mas passe pelos
nossos sentidos, pelo olfato com os perfumes, audição com tantas músicas
bonitas, salmos cantados, pelo nosso olhar, paladar, que também a própria
culinária com o jejum e as ceias recordam o banquete que celebramos na intenção
da Páscoa”.
“Tem paróquias que
celebram há centenas de anos, como a Procissão do Fogaréu em Goiás velho que
tem 300 anos”, lembrou Padre Luiz.
Ele lembrou que
essa liturgia paralela tem muito na sua cidade natal, Anadia-AL, que tem uma
riqueza imensa na Semana Santa com celebrações, devoções, procissões, e
acredita ter trazido para a São Pedro Pescador junto com Padre Carlinhos que tinha
muitas ideias e as trouxe por ter experimentado em outras paróquias.
“Tem aquilo que é
essencial. Essencial a gente não tira e nem acrescenta, pois a Igreja nos
coloca para celebrar. Aqui na paróquia os jovens têm nos ajudado, cantam muito
bem, tem nos ajudado a rezar mais e melhor”, destacou.
Padre Luiz fez um convite aos cristãos
e particularmente aos paroquianos da São Pedro Pescador para celebrarem a
Semana Santa como verdadeiros católicos. “Não podemos estar indiferentes a esse
tempo, e o pior, comemorando outras coisas. Não que isso seja impedimento para
sermos felizes, pois tem outras datas do ano para fazer isso. Onde estiver,
guarde um tempo e lugar para se alimentar da Eucaristia, viver todos os
mistérios desse tempo”, orientou.
“Jesus morreu e ressuscitou
por nós e o mínimo que devermos fazer é estarmos intimamente ligado a Ele
também na liturgia da Igreja, na celebração, em comunhão e unidade com a Igreja
que nos gera pela fé e alimenta pela Eucaristia”.
A ministra da Eucaristia,
Zezé Sobreira, está há 23 anos na Paróquia São Pedro Pescador e participou do Oficio
das Trevas, segundo ela um ritual de preparação para vivenciar todo o
sofrimento de Jesus. “Tanto amor que Ele se dedicou através da cruz, de doar
sua vida por todos nós. Essa celebração é o início de todo o sofrimento que a
gente tem que passar em respeito e amor a Ele que doou a sua vida para nos
salvar”, adiantou.
A paroquiana da
São Pedro afirmou que esse é o momento de reflexão sobre o nosso comportamento em
agirmos diante do irmão e sempre ver o que Jesus é para gente. “Procuremos ver
no irmão a face de Jesus, a face de amor, carinho e perdão. Essa noite foi a despedida
de Jesus com os seus discípulos. A certeza da confiança que tudo que Jesus passou,
valeu a pena por todos nós”, disse Zezé.





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